As circunstâncias tornavam a situação densa: eu e a minha mulher trabalhávamos na mesma empresa e emitíamos uma factura para prestar aquela colaboração. Era o nosso único cliente porque liderávamos projectos editoriais cujo sucesso nos garantia ocupação a tempo inteiro. O fim daqueles empregos representava subitamente uma situação-limite para os dois: nenhuma indemnização, nenhum subsídio de desemprego e nenhuma alternativa à vista.
Contas rápidas: duas filhas pequenas, crédito à habitação, renda do carro... e tudo o resto. As poupanças dariam para quanto tempo? Onde encontrar trabalho a seguir? Como cortar nas despesas? Enquanto geria 25 pessoas e tomava as principais decisões nas publicações que dirigia, não me questionava sobre o que era capaz de fazer. Estava qualificado para "director". E no dia seguinte, as minhas competências continuavam válidas? O que vale um currículo?
Todas as notícias sobre o desemprego são uma forma encriptada de relatar socialmente uma dor imensa. Organizamos uma sociedade do mérito que, naturalmente, não pode encaixar todos. Infelizmente, o ritmo da nossa prosperidade diminuiu e hoje não temos dinheiro para que os bem-sucedidos paguem (através de impostos) a subsistência dos que ficam pelo caminho. Das 893 139 pessoas sem emprego em Portugal, 288 016 não têm qualquer apoio. Comem? Têm tecto? Devo confiar no Estado a tarefa de lhes garantir a subsistência ou sou pessoalmente responsável por eles?
É fácil dizer que algumas destas pessoas não querem trabalhar, e até pode ser verdade. Mas o grosso deste número não encontra trabalho porque uma economia em crise não gera novos empregos. E, claro, há também a questão de não se ter a qualificação certa para os novos empregos que se vão criando. Mas sejamos francos: esta crise não tem prazo à vista apesar de toda a motivação para a vencermos (e haveremos de sair daqui!). Que saída?
Como de diagnósticos está o mundo cheio, reitero duas ideias. A primeira passa pela "privatização" do apoio à pobreza, ou seja, dar benefícios fiscais majorados às empresas que entreguem contribuições a instituições sociais certificadas. Este "extra" que se pode sugerir às empresas (e cidadãos) ainda rentáveis para combater a pobreza não pode continuar a ser confiscado pelo Estado no formato de "aumentos de impostos" na falsa ideia do "combate às desigualdades sociais". Porque já quase ninguém acredita na justiça social promovida pelo Estado.
A segunda ideia passa pela negociação com a União Europeia, no quadro dos novos apoios europeus para 2014-2020, de um fundo para repovoamento do país. Dessa forma não só se criaria algum emprego no interior, como se deveria acompanhar este processo de incentivo à produção agrícola, pecuária, florestal, etc... Não podemos deixar perdidos centenas de milhares de desempregados em prédios citadinos que são prisões verticais. Este processo destrói economicamente o país mas arrasa, em paralelo, a saúde mental de muitas famílias, com consequências devastadoras para as futuras gerações.
O desemprego é uma doença social terrível porque deixa as pessoas sem poderem cumprir um princípio-base da condição humana que é o de viverem do seu próprio trabalho. Como não podemos inventar milhares de empregos, rapidamente, capazes de competirem na economia global, temos pelo menos de garantir "trabalho de proximidade" para subsistência. O mínimo de dignidade humana está para além dos cortes nos subsídios de férias ou das garantias de emprego eterno. É absolutamente urgente e crucial para o resto do caminho que temos de fazer. Sem isso fica a fome silenciosa e a miséria extrema. É a mais indecorosa vergonha em território europeu. Insuportável.
Daniel Deusdado, in opinião no J.Notícias
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