(Por: Rui Beja)
Iliteracia Ética
Ignorância e hipocrisia no confisco aos reformados
Iliteracia: incapacidade para perceber ou interpretar o que é lido
Ética: conjunto de regras de conduta
Ignorância: falta de ciência ou de saber
Hipocrisia: fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis
Confisco: apreensão de algo que contraria leis, regulamentos ou senso comum
Diz a voz popular que «estudante é um burro carregado de livros». Tomado habitualmente como uma graça que se diz afectuosamente a crianças em idade escolar, este aforismo tem, no entanto, um sentido profundo. De facto, um estudante que não vá mais longe do que carregar livros, «empinar» o que neles está contido e disso fazer citações grandiloquentes, não aprendeu a saber e, muito menos, a saber fazer. Pode ser «doutor», mas não tem cultura, ou seja, não entende o mundo onde vive e apenas lhe resta o vazio mental quando o que leu nos livros não adere à realidade. Pode autoproclamar-se dono da verdade e do rigor, mas desconhece o que seja o respeito pelo próximo, a solidariedade intergeracional, o rigor ético. Por outro lado, há muita e muita gente que teve de deixar a escola bem cedo mas que pela sua inteligência inata, a sua intuição, o seu esforço e o seu espírito humanista, soube aprender, sabe fazer e sabe ser socialmente responsável. Estes, são aqueles de quem o país precisa e dos quais recebe dádiva sem nada ter contribuído para a sua formação técnica e moral. Os outros, os que tudo receberam e nada entendem, nem sequer compreendem que a melhor dádiva que podem dar aos portugueses é deixarem o governo do país para outros com adequadas capacidades.
Vem isto a propósito da forma como o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se tem comportado relativamente à proposta de lei do OE-2013. Incapaz de perceber o que leu nos livros sobre economia e de interpretar o efeito desastrosamente perverso da política de austeridade que em 2012 aplicou aos portugueses, resolveu, sem o mínimo respeito por regras de conduta transparente e consistente, e demonstrando uma aflitiva falta de ciência ou de saber, propor para 2013 uma dose mais forte do mesmo remédio. Quanto a iliteracia, ética e ignorância, estamos portanto conversados.
Mas ele há também a hipocrisia e o confisco. Recorrendo às notícias que vão sendo difundidas, em especial ao artigo publicado em 20 de Outubro de 2012 no Expresso - Economia sob o título Funcionários e pensionistas pagam 1/5 da austeridade, assinado por João Silvestre e Sónia M. Lourenço, e atentando no que a malfadada proposta de lei do OE-2013 diz especificamente sobre a «austeridade aplicada aos reformados e pensionista», tenho de fazer um enorme esforço para não ultrapassar os limites da contenção verbal civilizada, quando equaciono as seguintes questões:
Ao tentar iludir o Tribunal Constitucional e distrair os visados, dizendo que a proposta é agora equitativa, Vítor Gaspar incorre numa fraude moral, numa brincadeira de mau gosto, ou numa tentativa de se «escapar pela porta pequena» dizendo que as «forças de bloqueio» são responsáveis pela sua irresponsabilidade?
Quando diz que pretende «devolver» (será que sabe distinguir entre devolver e repor) 10% do Subsídio de Férias, está a ensaiar uma brincadeira de mau gosto, ou quer ofender os reformados e pensionistas?
Quando se propõe introduzir uma «contribuição extraordinária» que varia entre 3,5% e 10% para pensões mensais entre €1350 e €3750, valor acima do qual se aplica uma taxa fixa de 10%, tem consciência que está a tirar com uma mão o que repõe com a outra, ou acredita que os pensionistas e os juízes do Tribunal Constitucional são todos mentecaptos e não entendem a trapaça?
Quando quer instituir que todas as pensões vitalícias dos reformados, incluindo as que resultam de poupança privada (como seguros de vida, planos de poupança reforma e fundos e pensões das empresas) recebidas por cada titular, sejam somadas às reformas e pensões para efeitos de aplicação da «contribuição extraordinária», terá consciência de que o que pretende é equivalente a decretar que o Estado pode dedicar-se a extorquir ilegalmente qualquer outro tipo de poupanças, como por exemplo depósitos bancários que um reformado tenha acumulado para ocorrer a imprevistos de fim de vida?
Tudo isto é mau de mais para ser verdade. Apenas me resta recomendar que, quem tem poder para tal, siga, enquanto não é irremediavelmente tarde de mais, a atitude decorrente de um destes dois aforismos de origem germânica (sim, alemães): «é preferível um fim com horror do que um horror sem fim» e «nada se come tão quente como se cozinha».
Rui Beja
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