O Zé e a Troika
O Zé, outrora tão popular no discurso político mas tão esquecido agora, dirigiu-se a um banco. Não dispondo de fortuna pessoal e precisando de comprar uma habitação para a família (o mercado de arrendamento não lhe deu alternativa), foi praticamente obrigado a pedir um empréstimo.
Mas o que ouviu surpreendeu-o muito: o juro do empréstimo seria inversamente proporcional à sua capacidade económica (ou seja, bonificado para os ricos e agravado para os pobres); por outro lado, o Zé seria obrigado a obedecer, doravante, às ordens do gerente bancário.
E o gerente comunicou logo ao Zé as suas ordens. Deveria diminuir drasticamente o consumo de quaisquer bens e, de preferência, desempregar--se para garantir tal objectivo. O Zé achou esta conversa bizarra, mas foi dizendo que sim a tudo para conseguir o empréstimo. Depois disso, o gerente passou a ser visita regular da casa para garantir que as instruções seriam cumpridas. A cada nova visita – e já vai em cinco –, encontrou o Zé mais esquálido e famélico. Mas transmitiu-lhe sempre palavras de apreço e incentivo, para premiar a sua obediência.
Entretanto, a família do Zé está muito preocupada e já o responsabiliza por acatar cegamente (e pecando quase sempre por excesso) as ordens do gerente. Desempregado, o Zé não consegue pagar as prestações do empréstimo bancário. O gerente não se cansa de repetir que não está arrependido por o ter "ajudado", mas, perante o incumprimento, vai adiantando que não lhe restará outra solução senão executar a hipoteca. O Zé antevê um futuro sombrio de sem-abrigo, escorraçado de casa e do bairro, que tem o sugestivo nome de "Moeda única".
Talvez tenha chegado a hora de o Zé ouvir com mais reservas o gerente bancário, repensar toda a sua vida e renegociar o contrato, até porque, segundo lhe disse um advogado amigo, um negócio celebrado sob coacção moral é anulável. Não é justo que a pobreza seja castigada com usura para a riqueza poder ser premiada. Os juros do empréstimo deverão baixar e o prazo de cumprimento terá de ser alargado. O Zé deve voltar a empregar-se, dedicar-se a actividades produtivas e fazer os gastos necessários para assegurar à sua família uma vida decente.
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