Eduardo
de Oliveira Silva, jornal i
Tanto
jogou com isso que hoje é difícil levar a sério o seu discurso.
Há muitas expressões
que podem sintetizar a situação embaraçosa em que Paulo Portas se encontra no
governo. Por exemplo, que não é possível ter "sol na eira e chuva no
nabal", que "quem tudo quer tudo perde", que "não se
entrega o ouro ao bandido" ou que "não se deve jogar com paus de dois
bicos".
Vem isto a propósito
do papel que Paulo Portas reclamou para si e Passos Coelho lhe concedeu com as
honrarias e a plumagem do lugar de vice-primeiro- -ministro. Somando a outras
circunstâncias o cansaço de tanto jet lag, Portas agravou no Verão de forma
quase irreversível a crise aberta pela fuga de Vítor Gaspar, que por si só já
ficaria para a história. Mas isso é passado.
O que interessa hoje é
que o Paulo Portas que supostamente coordena a área económica, que tem
inevitável relação com as instâncias da troika e mais umas quantas instituições
e figuras internacionais para explicar que estamos no bom caminho, é
rigorosamente o mesmo que armou no Verão o que os brasileiros chamam "um
barraco". As consequências do dito são as que ainda hoje estamos a pagar e
que obviamente lhe são recordadas de forma mais ou menos subtil em todas as
reuniões internas e externas, sendo ainda sistematicamente vertidas para todos
os relatórios oficiais ou de agências de rating que se publicam diariamente.
De facto, é bom não
esquecer que foi a crise estival que levou a que Portugal entrasse em
derrapagem total. Portas fez o mal e a caramunha. Ou seja, criou um problema e
agravou o que já estava muito mal. Ia atirando o governo abaixo quando
proclamou que havia linhas intransponíveis e falou de irrevogabilidades,
obrigando Cavaco a uma intervenção de emergência cujos contornos ainda hoje não
são claros. A crise aberta por Gaspar e cavalgada por Portas fragilizou o país
e fez com que a troika se tenha tornado mais intransigente em relação a nós,
como se vê pelo Orçamento de 2014, no qual não tolerou cedências, mesmo que ele
se tenha tornado uma ficção.
Esse comportamento
ainda poderia ser esquecido se do Ministério dos Negócios Estrangeiros Portas
tivesse passado para a Administração Interna ou para um lugar simbólico, tipo
ministro da República para os Açores ou para a Madeira (função neocolonial em
boa hora extinta), mas que o apagariam parcialmente. Depois de tudo isso, vê-lo
ralhar com a oposição ou dirigir convites ao investimento externo, como se
tivesse sido um modelo de coerência e uma referência de estabilidade, deixa um
cidadão com memória boquiaberto e qualquer estrangeiro com acesso ao Google com
a sensação de que deve haver duas figuras públicas em Portugal com o mesmo nome
e que em dado momento ocuparam lugares relevantíssimos, tendo-se substituído um
ao outro. Que seja a mesmíssima pessoa é coisa que certamente não lembra a
ninguém para lá de Badajoz.
É verdade que no
interior da coligação governamental Portas subiu na hierarquia, mas
simultaneamente perdeu muito peso face a Passos Coelho e mesmo dentro do CDS,
onde teria sido substituído, possivelmente por Pires de Lima, se não tivesse
recuado.
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