Ana
Sá Lopes, jornal i
Ao invocar o princípio da
confiança, o TC chumba rotundamente o governo
Um
governo que é contra a Constituição pode governar? Pode, mas dá imenso trabalho
a toda a gente. Foi o que voltou a acontecer ontem com o previsível chumbo da
lei das pensões que o tribunal "político" da Rua do Século acabou por
decidir por unanimidade. Ao invocar o "princípio de confiança" - que
tem sido desmanchado a torto e a direito no espaço público desde a entrada da troika,
o Tribunal, esse sim, mostra que apesar de tudo há linhas vermelhas. Assaltar
velhinhas com uma lei armadilhada não é um programa.
Esta
decisão deu imenso trabalho a muita gente, muito para além das horas de
trabalho dos juízes do Tribunal (e dos assessores jurídicos da Presidência da
República). Nas vésperas da decisão foi montado um duro trabalho de cerco ao
Tribunal realizado pelo governo em coligação com as "instâncias
internacionais", vulgo "os nossos credores". Não houve ave rara
que não se tivesse pronunciado sobre o cataclismo que se seguiria a uma decisão
negativa do Tribunal Constitucional. Perante a dimensão homérica do cerco, as
declarações dos responsáveis do PSD e do CDS feitas ontem à noite depois de
conhecida a decisão do TC quase pareceram moderadas.
O
problema do princípio da confiança - agora invocado pelo Tribunal
Constitucional - é que tem sido violado sistematicamente pelas instituições
desde que passámos a ser, como diz o vice-primeiro-ministro, "um
protectorado". O próprio Tribunal Constitucional não deixou de violar esse
princípio da confiança quando chegou a viabilizar o Orçamento que retirou os
subsídios da função pública em nome das difíceis condições que o país vivia.
Foi um momento que o governo sonhou que o tribunal repetisse: o Tribunal
Constitucional aceitaria coisas inconstitucionais em nome dos "nossos
credores" ou do défice, da troika ou da nossa permanência no euro. O TC
decidiu não repetir o erro e não violar o princípio na sua própria "confiança"
à luz da Constituição. Mas - mesmo não se sendo contra a Constituição, como o é
a maioria dos governantes - há aqui um problema. A nossa Constituição é
compatível com as alucinadas exigências dos "nossos credores"? A
nossa Constituição é compatível com a transferência de decisões nacionais para
o eixo Bruxelas-Berlim? A nossa Constituição é compatível com a reformulação
dos tratados feita na clandestinidade nas instâncias europeias depois da crise?
Infelizmente, Passos Coelho tem razão numa coisa: não é compatível. E agora,
que fazer?
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