Inês
Teotónio Pereira, jornal i
Pai e mãe que façam o que bem
lhes apetece ao fim-de-semana são seres em vias de extinção, uns resistentes do
antigo regime
Os
filhos de hoje são uma espécie de hitlerzinhos sem bigode, uns verdadeiros
déspotas domésticos. A época em que os filhos temiam os pais acabou e
assistimos agora a um período revolucionário doméstico em curso (PRdEC). Hoje
quem manda são os filhos; os pais foram depostos e vivem sujeitos a uma espécie
de escravatura dos filhos.
Num
destes dias, durante esta época feliz em que os pais correm freneticamente nos
centros comerciais para satisfazerem os desejos dos filhos a propósito do
Natal, deparei-me com a cena da Sara (de 13 anos no máximo) e da mãe. Estava a
Sara a experimentar chapéus ao espelho de uma loja enquanto a mãe esperava
pacientemente que ela deixasse de fazer posses e escolhesse um dos chapéus. A
criança vestia calções do tamanho de umas cuecas, umas meias cuidadosamente
rasgadas e uma camisola que não lhe tapava o umbigo. Sem dúvida que estava na
moda. Está claro que o chapéu preferido acabou por ser o mais caro, 50 euros. A
mãe, de semblante carregado, chamou a atenção da menina para o facto de o
chapéu ser muito caro e perguntou-lhe se ela não podia escolher outro. Qual
quê: "É deste que eu gosto por isso é este que me vais dar." E assim
foi: a mãe obedeceu, pagou e calou-se.
Fui
dali para outra loja e travei conhecimento com outra menina mais ou menos da
mesma idade. Esta passeava-se com um telemóvel última geração, uma mochila de
marca de surf, uns cabelos compridos e lisos como elas todas usam e calções do
tamanho dos da outra. A criança dava guinchos ao mesmo tempo que falava com
duas amigas em simultâneo (através do telemóvel) e mostrava-se excitadíssima
porque a música que tocava naquela loja era dos One Direction (razão que a
levou a ligar às amigas). O pai e a mãe, entretanto, esperavam à porta da loja
que a música acabasse para se poderem ir embora: é que a filha só saía dali
quando a música acabasse.
De
histórias como estas estão as escolas, os centros comerciais e as famílias
portuguesas cheias. São os filhos quem mais ordena e não há reforma agrária,
operários ou nacionalizações que se lhes comparem. A luta da filharada, ao
contrário da luta do operariado, está mais que ganha. Um filho de hoje faz o
que quer, tem o que quer, come o que quer e não recebe ordens de ninguém. Os
pais obedecem. Eles acham que os desejos dos seus meninos e meninas são ordens
e cumprem--nas. As regras que imperam são as regras dos gostos: se eles gostam
tem de ser assim. Tudo o resto é secundário, como por exemplo o acordo dos
pais. Um pequeno exemplo desta realidade são os fins-de-semana. Aos
fins--de-semana os pais entretêm-se com quê? Com passear os meninos entre
festas e eventos desportivos das inúmeras actividades em que a criançada
participa. Pai e mãe que façam o que bem lhes apetece ao fim-de-semana são
seres em vias de extinção, uns resistentes do antigo regime. É por isso que ter
filhos hoje em dia é considerado uma loucura - ninguém adere por opção à
condição de escravo.
A
verdade é que o regime familiar não é democrático, nunca foi: dantes mandavam
os pais, agora mandam os filhos. Mas daqui a uns anos logo veremos qual é o
melhor regime - os nossos filhos o dirão
Tentado, no essencial, a concordar. Exceptuando essa coisa dinheiro porque cá por casa felizmente ninguém é muito dado a esbanjamentos.
ResponderEliminarVejo, no entanto, que a análise está incompleta. Isto porque existe hoje uma geração - ou pelo menos parte significativa dela - que tem de viver em função dos filhos e dos pais. E aí a coisa ainda se complica muito mais...
...é nas necessidades, que as coisas tendem a piorar.
ResponderEliminarHá quem não acorde ou não queira acordar.